quarta-feira, 23 de março de 2011

Matuto

Por Maurício Silva

Há coisas na vida que nos fazem pensar. Repensar. E pensar novamente. Sobre a nossa própria vida, em geral. Sobre nossas amizades, nossas redes sociais. Sobre nosso papel neste mundo.

Por mais incrível que pareça, uma das coisas que mais nos faz pensar na vida é a morte. Pensamos nela em vários momentos. Ao que parece, quanto mais se vive, mais se pensa na morte. E quanto mais próxima a sombra mortalha, mais pensamos a vida em retrospecto. Parafraseando os Titãs, em Epitáfio:

Devia ter amado mais, chorado mais, arriscado mais e até errado mais. Ter feito o que eu queria fazer. Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter visto o Sol nascer... (queria) ter aceitado as pessoas como elas são / a vida como ela é...

Também costumamos pensar na morte (e na vida) quando alguém próximo de nós se vai.

Foi o que ocorreu comigo, no dia de ontem.

Não me era nenhum grande amigo, o “matuto”. Era um conhecido com quem trocava palavras. Falávamos sobre futebol, geralmente. Amenidades.

O matuto também não era nenhum jovem. Os cabelos brancos e as rugas no rosto e nas mãos calejadas indicavam que já passava dos 50, talvez 60. Parecia estar em boa forma, no entanto, e esbanjava bom humor e disposição.

Também me mandava e-mails engraçados, desde piadas até filosofia de boteco. Mandava também uns e-mails sem conteúdo algum, o que me fazia rir tanto quanto dos outros.

Eu nunca respondia os e-mails do matuto. Talvez tenha chegado a enviar um ou dois de volta, provavelmente alguma baboseira sobre política. Provavelmente nada que o faria rir como ele me fazia.

Mas talvez o que mais me tenha doído sobre a morte do matuto foi a forma com que outras pessoas a encararam. Parecia mais uma fofoca, daquelas recém-saídas do forno. Daquelas que nos fazem pegar o telefone e ligar pra contar pra alguém. O trabalho continuava. A rotina continuava.

Mas não pra mim.

Não estou dizendo que essas outras pessoas estão certas ou erradas. Que são melhores ou piores. No fundo, talvez nunca tenham tido muito contato com o matuto. Talvez nunca tenham recebido uma piada sua, ou uma mensagem sem conteúdo.

O que é triste é que, em não tendo recebido as mensagens sem conteúdo, elas também deixaram de receber a mensagem derradeira do matuto: a vida é frágil, viva hoje.

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